sábado, 15 de outubro de 2011

Entrevista a Luís Esteves

       Olá a todos.
       Como é habitual aqui n'O Nosso Futebol, procuramos jogadores, treinadores, técnicos e membros ligados ao futebol.


       Na entrevista de hoje, o convidado de honra chama-se Luís Esteves. O nosso entrevistado apresenta um conhecimento bastante extenso, como podem verificar na entrevista mais abaixo.


       Antes de mais, amigo Luís, gostaria imenso de agraceder a sua disponibilidade e o seu tempo para partilhar connosco as suas ideias e o seu conhecimento. Sem dúvida alguma, a entrevista é bastante interessante e vale a pena ver, ler e rever.


Podem ver o seu Curriculo aqui

____________________________________________________________________________

       Com um currículo, incluindo passagens por alguns brasileiros como o EC São José, o Cruzeiro-Poa, o Flamengo-RS, estágios em Grémio FBPA e Santos FC, como considera ou como caracteriza a sua carreira como treinador?
 
        Minha carreira como treinador começou por acaso. Na verdade nunca quis ser treinador antes de trabalhar na minha primeira equipe, como uma espécie de "faz tudo", auxiliando o treinador, mas mais fora do que dentro de campo, por exemplo: entregando fardamento, arrumando materiais, água, lanches, e coisas do tipo. Já fui preparador de goleiros, auxiliar de treinador, preparador físico, auxiliar de preparador físico, treinador, diretor, coordenador técnico e coordenador geral.
 
        Tive experiência de ter jogado desde os 13 anos em competições de base, e antes disso sempre joguei futebol como a maioria dos brasileiros, quase que todos os dias da semana, e posteriormente até os 18 anos continuei jogando com objetivo de ser profissional, até o ponto em que não me sentia qualificado para disputar vaga com os que vinham jogando, ali terminou minha participação nesse nível.
 
        Porém logo em seguida recebi um convite para trabalhar, no Esporte Clube São José, na figura do professor Giuliano Moreira, ao qual tenho grande respeito e agradecimento, que me colocou uma proposta: Entrar no curso de educação física, e passar a dar aulas nas escolinhas do clube. Escolinha é o setor recreativo do clube, ou seja, jogar sem compromisso, para jogadores menos talentosos, com objetivos voltados mais a prática de uma atividade.
 
        Pois bem, entrei na faculdade e passei a dar treinos. Não tive muito sucesso, pois não tinha noção metodológica alguma, e também tinha pouca responsabilidade, e acabei pedindo demissão por não me adaptar ao processo. Posteriormente neste mesmo clube, recebi o convite para ajudar o treinador Roberto Marcheti, ao qual fiquei até que o mesmo se retirou do clube, e interinamente eu assumi a equipe aos 19 anos, até a entrada de um novo treinador. É válido lembrar que financeiramente é muito complicado o inicio, pois aqui no Rio Grande do Sul, temos baixos salários e os treinadores de base normalmente tem que trabalhar em outros locais para poder equilibrar o seu sustento.
 
        Após isso ficamos um longo tempo invictos (se não me engano 21 jogos), o que acabou me mantendo no cargo (meio que a força) para o ano seguinte. Este era um time juvenil do Esporte Clube São José, e o ano era 2003 se não me engano. Fiquei então de treinador deste time juvenil, que era como se fosse um juvenil B, já que existia um juvenil A, formado por atletas nascidos em 1986, o meu era formado por atletas nascidos em 1987. Neste ano disputamos 5 competições, e vencemos duas, sendo que nas outras ficamos em 3 em uma e em 4 na outra, e na minha primeira competição, a qual perdemos nas quartas de final, nos pênaltis pro SC Internacional, onde fomos eliminados de forma invicta, tive ali a noção de que realmente iria ser treinador de futebol, pois até então, de tudo o que eu havia feito na vida, era o que mais me parecia ter talento pra continuar fazendo. Desde então passei pelas categorias sub-9, sub-10, sub-11, sub-12, sub-13, sub-14, Infantil, Juvenil, Junior e fui auxiliar técnico no profissional também.

 
 
        Tudo tem uma forma de começar. O que tem a dizer sobre o início da sua carreira?
 
        Foi um bom inicio, tive sorte em muitos pontos, e na vida é assim, mesmo sem ter conhecimento as coisas aparecem e é necessário decidir, e isso implica em talento pessoal, que é o que nos torna diferente, o que torna as pessoas diferentes é o que elas sabem fazer, e as vezes fazem por instinto, foi meu caso. Quando comecei eu defendia que a inteligência era superior a experiência. Porém hoje com mais experiência eu defendo que a inteligência e a experiência tem que andar juntas, é fundamental ter tempo de campo, observando, refletindo para poder decidir certo, e para isso é fundamental ter inteligência, percepção, ousadia em certos momentos, para crescer, os treinadores tem uma tendência muito grande a achar que no futebol tudo esta inventado e o jogo deve ser jogado como em 1930. Hoje o futebol esta muito mais rápido, e isso é fruto de uma série de variáveis, dentre ela conceitos de marcação, conceitos de ataque, preparação metodológica, etc...  a atualização é fundamental, porém o que é mais importante e que vai acabar dando vida ao que você quer atualizar são os teus valores e percepção da realidade.
 
Se eu fosse dar um conselho a alguém que quer entrar no futebol este seria, escolha um treinador que tenha idéias que sigam ao encontro das tuas e vá auxiliá-lo, absorva experiência para evitar erros bobos quando tiver a sua primeira oportunidade. A tendência dos mais novos é achar que nunca erram e que sabem tudo, mas isso passa e com o tempo vemos que não somos o super-homem.

 

       E quais são os objetivos para o futuro?


       Não sou muito pragmático quanto ao futuro, porém tenho alguns objetivos meio soltos. Seriam eles: Estudar em Portugal, mais especificamente na Universidade do Porto, onde gostaria de ter aulas com professores como José Guilherme Oliveira, e outros do mesmo perfil que abordam o futebol de uma ótica a qual eu também tento defender, estagiar em alguns clubes de lá, para perceber e interpretar melhor sob um ângulo mais prático a Periodização Tática, principalmente com pessoas do nível do professor Jorge Maciel. Fazer um mestrado e, se for possível dar aulas em universidades aqui do Brasil, tanto como ênfase o futebol e a Periodização Tática como pano de fundo, porém para isso ainda preciso de muitos estudos, aprendizados, orientações e conversas pois esta é uma forma de treinar o futebol muito difícil e muito coerente e não é interessante haver distorções, para isso também seria um objetivo conhecer e manter contato com o professor Vitor Frade, que é um referencial para mim.

 
        Quanto ao futebol, não tenho muitos objetivos de chegar a esse ou aquele nível. Me preocupo com minha equipe atualmente, e só com uma coisa, jogar bem e ensinar valores que considero positivos aos meus jogadores, que permitam a eles num futuro, sozinhos, tomar decisões acertadas para suas vidas,e que junto a conceitos de futebol bem claros permitam que eles vivam o jogo de verdade, gerem uma formação, uma sustentação futura para eles. Sei que tenho uma concepção das coisas que vai contra a sociedade do futebol em sua maioria, que é a questão dos resultados. Eu pessoalmente não me preocupo em ganhar jogos, porém paradoxalmente neste momento onde estou a pouco mais de um mês em minha equipe atual, jogamos 9 jogos, ganhamos 7, empatamos 1 e perdemos 1 sendo que este foi por 2x1 para uma equipe Juvenil-Junior (Sub-16) e a minha equipe é Infantil (Sub-15), que, dentro da nossa lógica de jogar bem, jogamos todos os jogos melhor do que nossos adversários inclusive este que perdemos, estamos em três competições, sendo que lideramos duas e uma delas já estamos classificados esperando o mata-mata. E mais, podemos perder todas as competições, o que não podemos perder é a crença na idéia de jogo, no nosso próprio modelo, porém sei que para haver essa crença são necessárias vitórias, mas precisamos conscientizar os jogadores de que estas vitórias são construídas, e a forma como construímos ela é tão importante quanto a vitória, costumo dizer pros meus jogadores, temos que viver o jogo. As vitórias são conseqüências da nossa intensidade em acreditar nas nossas próprias idéias.
 
        Vou contra essa idéia do resultado pois na minha opinião isso mata o processo do jogo. Hoje as equipes jogam pra ganhar, não pra jogar e conseqüentemente ganhar, e isso tem tornado o jogo de futebol descontrolado, rápido demais, sem arte, sem consciência. Porém eu sei que hoje quando se contrata um treinador, só se quer uma coisa, vencer. Então para haver sobrevivência nesta área é necessário estar sempre vencendo, o segredo então é achar um caminho para isso, que consiga aliar os dois, processo e vitória, o FC Barcelona conseguiu. Telê Santana, que para mim foi o maior treinador brasileiro de todos os tempos era assim, valorizava o processo do jogo, tinha critério, sabia que ganhar o perder ou empatar faziam parte, porém o que não faz parte é a prostituição de idéias pelos resultados.

 
 
        Como já foi referido anteriormente, você tem um currículo extenso no mundo do futebol. Entre todos os clubes por onde passou, qual foi o que lhe deu mais prestígio? E porquê?
 
        Todos. Todos me deram coisas boas, o São José me deu uma chance, o Cruzeiro me deu possibilidade de crescimento metodológico, o Grêmio e o Santos experiência, todos me ajudaram muito. Gostaria de salientar que minha experiência é mais voltada para a base, portanto as idéias que tenho são influenciadas por isso. Porém acredito que teria as mesmas, hoje, em qualquer lugar, com uma ou outra adaptação.


       No mundo do futebol, a formação tem um grande peso nos clubes. Vários clubes formam planteis a partir das escolas de formação. E jogadores jovens estão a sair dos seus clubes por valores cada vez mais altos. Considera que esta prática é benéfica para esses jogadores?
 
É bem complexo isso. Primeiro pelo jogador, eu acho, pois ele quer crescer, e como já disse, sobre a velocidade, assim como no jogo, nas outras áreas ela também toma conta, cada vez mais rápido os jogadores querem sair e fazer o seu futuro financeiro e normalmente isso esta na Europa, muitos jogadores são a fonte de sustento de suas famílias então em caso de contratos com luvas boas por exemplo, e salários altos isso representa um suporte grande para os familiares. Já pelo lado dos clubes é nocivo, pois muitas vezes não há um tempo de maturação para o jogador se valorizar, tanto financeiramente quanto em relação a conquistas pelo clube. Sistemicamente isso acaba gerando grandes problemas aos clubes, por exemplo um jogador emergente a nível de talento, para sustentá-lo o clube tem que sair da sua realidade de equilíbrio financeiro e isso acaba afetando outras coisas que sistemicamente serão prejudicadas dentro do clube, como por exemplo cortes em outros setores, redução de investimentos na base...
 
        Mas minha crítica não é para este lado, no que diz respeito a esse assunto, vai mais para o processo formativo dos clube.
 
        Para mim a maioria absoluta dos clubes não tem um processo de formação para o clube, primeiro por não ter uma idéia definida de jogo, segundo e em conseqüência disso não tem uma equipe sustentável, ou auto-sustentável. Ou seja, a idéia da base é abastecer a equipe profissional, periodicamente com novos jogadores, dando suporte a venda de jogadores que se valorizaram. Porem para isso, é necessário haver uma espécie de "linha de montagem" que embora remeta ao mecânico, não é. É preciso ter um(s) certo critério para a base, permitindo que ao longo dos anos o jogador seja formado para a equipe principal.
 
        Para isso são necessários profissionais que tenham coerência com o processo, e não com as suas idéias pessoais, que normalmente levam sempre aos títulos e resultados. Na base isso não é o mais importante e não pode ser, pois estes valores irão hierarquizar o processo de uma forma errada. Errada no sentido de que os valores são o pano de fundo do processo, se os títulos são o principal, a tendência é escolher por exemplo no sub-13 jogadores com maturação de sub-15, que pelas suas características orgânicas quase adultas, acabam suprimindo os jogadores do padrão normal da idade, que muitas vezes em termos de futebol tem muito mais talento, porém não tem o suporte físico para conseguir exercer isso de forma continua no jogo, e acabam muitas vezes sendo lesados por esse imediatismo da formação.
 
        Um clube sustentável para mim precisa da seguinte equação:
 
        Investimentos na formação e estrutura + Boa rede de captação com critério + Definição de conceitos de jogo para a equipe profissional baseado no clube, contexto, história, cultura + Conhecimento e capacidade administrativa + Comissões coerentes e identificadas ao processo que se quer = Sustentabilidade do elenco profissional = sucesso esportivo contínuo.

 

       E fora isso, existem muitos jovens que sonham um dia ser treinadores os jogadores e pisar os relvados dos maiores clubes. Mesmo sem chegar a um nível elevado mas construir uma carreira equilibrada, para se atingir esse objetivo, existem caminhos a percorrer e obstáculos para ultrapassar. Esse caminho é difícil?

 
        É muito difícil, e quanto maior o nível mais difícil é e exige mais do que o professor Jorge Maciel, citando o professor Vitor Frade chama de Divina Proporção, que é a questão do talento do treinador para gerir o processo. Porém para alguns essa dificuldade é exatamente o estímulo que faz crescer. Tudo é questão da Resiliência pessoal de cada um, alguns querem ser o treinador da seleção brasileira, outros não, acho que as pessoas devem ser felizes no que fazem, não existe só o TOP, para o TOP existir são necessários outros vários sistemas não menos importantes, e todos tem lugar no futebol, porém este lugar será de acordo (ou não) com sua competência, porém essa competência não deve ser estática, tem que ser uma competência com constante evolução pessoal.



       Participa também em inúmeras palestras. Considera esse método fundamental, não só para aprender mais sobre o futebol, mas também para conhecer mais pessoas ligadas a este desporto, como treinadores, jogadores, técnicos e afins?

 
        Considero. Para quem apresenta e para quem assiste. Essas apresentações servem como disseminação de novas idéias, novas informações que se bem plantadas, irão germinar e gerar outras novas disseminações, e esse processo é muito bom. Porém é preciso ter cuidado quando se repassa informações e conhecimentos para que estes sejam interpretados de uma forma mais acertada pelas pessoa, e isso é fruto dos estudos e experiências pessoais do apresentador.
 
A rede de contatos também é fundamental, é preciso que as pessoas saibam que você sabe algo, ou que sabe fazer algo, se não, não tem como crescer, sozinho ninguém cresce, é preciso ter oportunidade, porém também é preciso criar estas oportunidades, e isso se faz com conversas, apresentações, estágios, idéias, trabalhos, iniciativa.
 
É fundamental ter conhecimento, informação para poder cada vez mais escolher com um critério mais acertado as opções que aparecem no dia à dia, isso faz a diferença, saber o que se esta fazendo, é fatal quando não se sabe o que esta fazendo.

 

       E para os jovens, gostava de deixar alguma mensagem? 

 
Gostaria de citar duas frases, uma do Manuel Sergio que diz:
 
"Quem só teoriza não sabe, quem só pratica repete, o saber nasce da conjugação da teoria e da prática"
 
Para mim isso diz muito sobre a constante transcendência do ser humano, como brinca um amigo meu em uma analogia, nos somos, (em termos mentais) como os tubarões, se pararmos nós morremos. Então é fundamental estar estudando, refletindo, buscando conhecimentos mais abrangentes, e não cair na tendência da especialização, que tende a separar as coisas em assuntos cada vez menores até o momento que se sabe tudo sobre nada.
 
A outra frase é do Soriano em um livro sobre a gestão do FC Barcelona:
 
"A bola não entra por acaso"
 
Essa frase diz muito sobre a construção do sucesso, independente do nível, o sucesso emerge de alguma coisa, e a bola entra para alguns e não para outros por causa disso.

 

       Se eventualmente quiser acrescentar alguma questão que gostava imenso de responder, esteja à vontade

 
        Quero apenas agradecer a oportunidade, e dizer que foi um grande prazer e espero poder ter contribuído com alguma coisa a quem ler.


______________________________________________________________________________________________

       Amigo Luís, mais uma vez obrigado pela sua disponibilidade. A sua entrevista é um grande contributo para treinadores e jovens que sonham e lutam por atingir um dia os seus objetivos. Sem dúvida alguma, esta entrevista é tambem uma grande referência, mesmo para os mais experientes e conhecedores.

      Um grande abraço ao entrevistado e um abraço ainda maior aos nossos leitores.

Sem comentários: