Olá a todos.
Como é habitual aqui n'O Nosso Futebol, procuramos jogadores, treinadores, técnicos e membros ligados ao futebol.
Na entrevista de hoje, o convidado de honra chama-se Luís Esteves. O nosso entrevistado apresenta um conhecimento bastante extenso, como podem verificar na entrevista mais abaixo.
Antes de mais, amigo Luís, gostaria imenso de agraceder a sua disponibilidade e o seu tempo para partilhar connosco as suas ideias e o seu conhecimento. Sem dúvida alguma, a entrevista é bastante interessante e vale a pena ver, ler e rever.
Podem ver o seu Curriculo aqui
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Com
um currículo, incluindo passagens por alguns brasileiros como o EC São
José, o Cruzeiro-Poa, o Flamengo-RS, estágios em Grémio FBPA e Santos
FC, como considera ou como caracteriza a sua carreira como treinador?
Minha carreira como treinador começou por acaso. Na
verdade nunca quis ser treinador antes de trabalhar na minha primeira
equipe, como uma espécie de "faz tudo", auxiliando o treinador, mas mais
fora do que dentro de campo, por exemplo: entregando fardamento,
arrumando materiais, água, lanches, e coisas do tipo. Já fui preparador
de goleiros, auxiliar de treinador, preparador físico, auxiliar de
preparador físico, treinador, diretor, coordenador técnico e coordenador
geral.
Tive experiência de ter jogado desde os 13 anos em
competições de base, e antes disso sempre joguei futebol como a maioria
dos brasileiros, quase que todos os dias da semana, e posteriormente até
os 18 anos continuei jogando com objetivo de ser profissional, até o
ponto em que não me sentia qualificado para disputar vaga com os que
vinham jogando, ali terminou minha participação nesse nível.
Porém logo em seguida recebi um convite para trabalhar, no
Esporte Clube São José, na figura do professor Giuliano Moreira, ao
qual tenho grande respeito e agradecimento, que me colocou uma proposta:
Entrar no curso de educação física, e passar a dar aulas nas escolinhas
do clube. Escolinha é o setor recreativo do clube, ou seja, jogar sem
compromisso, para jogadores menos talentosos, com objetivos voltados
mais a prática de uma atividade.
Pois bem, entrei na faculdade e passei a dar treinos. Não
tive muito sucesso, pois não tinha noção metodológica alguma, e também
tinha pouca responsabilidade, e acabei pedindo demissão por não me
adaptar ao processo. Posteriormente neste mesmo clube, recebi o convite
para ajudar o treinador Roberto Marcheti, ao qual fiquei até que o mesmo
se retirou do clube, e interinamente eu assumi a equipe aos 19 anos,
até a entrada de um novo treinador. É válido lembrar que financeiramente
é muito complicado o inicio, pois aqui no Rio Grande do Sul, temos
baixos salários e os treinadores de base normalmente tem que trabalhar
em outros locais para poder equilibrar o seu sustento.
Após isso ficamos um longo tempo invictos (se não me
engano 21 jogos), o que acabou me mantendo no cargo (meio que a força)
para o ano seguinte. Este era um time juvenil do Esporte Clube São José,
e o ano era 2003 se não me engano. Fiquei então de treinador deste time
juvenil, que era como se fosse um juvenil B, já que existia um juvenil
A, formado por atletas nascidos em 1986, o meu era formado por atletas
nascidos em 1987. Neste ano disputamos 5 competições, e vencemos duas,
sendo que nas outras ficamos em 3 em uma e em 4 na outra, e na minha
primeira competição, a qual perdemos nas quartas de final, nos pênaltis
pro SC Internacional, onde fomos eliminados de forma invicta, tive ali a
noção de que realmente iria ser treinador de futebol, pois até então,
de tudo o que eu havia feito na vida, era o que mais me parecia ter
talento pra continuar fazendo. Desde então passei pelas categorias
sub-9, sub-10, sub-11, sub-12, sub-13, sub-14, Infantil, Juvenil, Junior
e fui auxiliar técnico no profissional também.
Tudo tem uma forma de começar. O que tem a dizer sobre o início da sua carreira?
Foi um bom inicio, tive sorte em muitos pontos, e na vida é
assim, mesmo sem ter conhecimento as coisas aparecem e é necessário
decidir, e isso implica em talento pessoal, que é o que nos torna
diferente, o que torna as pessoas diferentes é o que elas sabem fazer, e
as vezes fazem por instinto, foi meu caso. Quando comecei eu defendia
que a inteligência era superior a experiência. Porém hoje com mais
experiência eu defendo que a inteligência e a experiência tem que andar
juntas, é fundamental ter tempo de campo, observando, refletindo para
poder decidir certo, e para isso é fundamental ter inteligência,
percepção, ousadia em certos momentos, para crescer, os treinadores tem
uma tendência muito grande a achar que no futebol tudo esta inventado e o
jogo deve ser jogado como em 1930. Hoje o futebol esta muito mais
rápido, e isso é fruto de uma série de variáveis, dentre ela conceitos
de marcação, conceitos de ataque, preparação metodológica, etc... a
atualização é fundamental, porém o que é mais importante e que vai
acabar dando vida ao que você quer atualizar são os teus valores e
percepção da realidade.
Se
eu fosse dar um conselho a alguém que quer entrar no futebol este
seria, escolha um treinador que tenha idéias que sigam ao encontro das
tuas e vá auxiliá-lo, absorva experiência para evitar erros bobos quando
tiver a sua primeira oportunidade. A tendência dos mais novos é achar
que nunca erram e que sabem tudo, mas isso passa e com o tempo vemos que
não somos o super-homem.
E quais são os objetivos para o futuro?
Não
sou muito pragmático quanto ao futuro, porém tenho alguns objetivos
meio soltos. Seriam eles: Estudar em Portugal, mais especificamente na
Universidade do Porto, onde gostaria de ter aulas com professores como
José Guilherme Oliveira, e outros do mesmo perfil que abordam o futebol
de uma ótica a qual eu também tento defender, estagiar em alguns clubes
de lá, para perceber e interpretar melhor sob um ângulo mais prático a
Periodização Tática, principalmente com pessoas do nível do professor
Jorge Maciel. Fazer um mestrado e, se for possível dar aulas em
universidades aqui do Brasil, tanto como ênfase o futebol e a
Periodização Tática como pano de fundo, porém para isso ainda preciso de
muitos estudos, aprendizados, orientações e conversas pois esta é uma
forma de treinar o futebol muito difícil e muito coerente e não é
interessante haver distorções, para isso também seria um objetivo
conhecer e manter contato com o professor Vitor Frade, que é um
referencial para mim.
Quanto ao futebol, não tenho muitos objetivos de chegar a
esse ou aquele nível. Me preocupo com minha equipe atualmente, e só com
uma coisa, jogar bem e ensinar valores que considero positivos aos meus
jogadores, que permitam a eles num futuro, sozinhos, tomar decisões
acertadas para suas vidas,e que junto a conceitos de futebol bem claros
permitam que eles vivam o jogo de verdade, gerem uma formação,
uma sustentação futura para eles. Sei que tenho uma concepção das coisas
que vai contra a sociedade do futebol em sua maioria, que é a questão
dos resultados. Eu pessoalmente não me preocupo em ganhar jogos, porém
paradoxalmente neste momento onde estou a pouco mais de um mês em minha
equipe atual, jogamos 9 jogos, ganhamos 7, empatamos 1 e perdemos 1
sendo que este foi por 2x1 para uma equipe Juvenil-Junior (Sub-16) e a
minha equipe é Infantil (Sub-15), que, dentro da nossa lógica de jogar
bem, jogamos todos os jogos melhor do que nossos adversários inclusive
este que perdemos, estamos em três competições, sendo que lideramos duas
e uma delas já estamos classificados esperando o mata-mata. E mais,
podemos perder todas as competições, o que não podemos perder é a crença
na idéia de jogo, no nosso próprio modelo, porém sei que para haver
essa crença são necessárias vitórias, mas precisamos conscientizar os
jogadores de que estas vitórias são construídas, e a forma como
construímos ela é tão importante quanto a vitória, costumo dizer pros
meus jogadores, temos que viver o jogo. As vitórias são conseqüências da nossa intensidade em acreditar nas nossas próprias idéias.
Vou contra essa idéia do resultado pois na minha opinião
isso mata o processo do jogo. Hoje as equipes jogam pra ganhar, não pra
jogar e conseqüentemente ganhar, e isso tem tornado o jogo de futebol
descontrolado, rápido demais, sem arte, sem consciência. Porém eu sei
que hoje quando se contrata um treinador, só se quer uma coisa, vencer.
Então para haver sobrevivência nesta área é necessário estar sempre
vencendo, o segredo então é achar um caminho para isso, que consiga
aliar os dois, processo e vitória, o FC Barcelona conseguiu. Telê
Santana, que para mim foi o maior treinador brasileiro de todos os
tempos era assim, valorizava o processo do jogo, tinha critério, sabia
que ganhar o perder ou empatar faziam parte, porém o que não faz parte é
a prostituição de idéias pelos resultados.
Como já
foi referido anteriormente, você tem um currículo extenso no mundo do
futebol. Entre todos os clubes por onde passou, qual foi o que lhe deu
mais prestígio? E porquê?
Todos. Todos me deram coisas boas, o São José me deu uma
chance, o Cruzeiro me deu possibilidade de crescimento metodológico, o
Grêmio e o Santos experiência, todos me ajudaram muito. Gostaria de
salientar que minha experiência é mais voltada para a base, portanto as
idéias que tenho são influenciadas por isso. Porém acredito que teria as
mesmas, hoje, em qualquer lugar, com uma ou outra adaptação.
No mundo do futebol, a formação tem um grande peso nos clubes. Vários clubes formam planteis a partir das escolas de formação. E
jogadores jovens estão a sair dos seus clubes por valores cada vez mais
altos. Considera que esta prática é benéfica para esses jogadores?
É bem complexo isso. Primeiro pelo jogador, eu acho, pois
ele quer crescer, e como já disse, sobre a velocidade, assim como no
jogo, nas outras áreas ela também toma conta, cada vez mais rápido os
jogadores querem sair e fazer o seu futuro financeiro e normalmente isso
esta na Europa, muitos jogadores são a fonte de sustento de suas
famílias então em caso de contratos com luvas boas por exemplo, e
salários altos isso representa um suporte grande para os familiares. Já
pelo lado dos clubes é nocivo, pois muitas vezes não há um tempo de
maturação para o jogador se valorizar, tanto financeiramente quanto em
relação a conquistas pelo clube. Sistemicamente isso acaba gerando
grandes problemas aos clubes, por exemplo um jogador emergente a nível
de talento, para sustentá-lo o clube tem que sair da sua realidade de
equilíbrio financeiro e isso acaba afetando outras coisas que
sistemicamente serão prejudicadas dentro do clube, como por exemplo
cortes em outros setores, redução de investimentos na base...
Mas minha crítica não é para este lado, no que diz respeito a esse assunto, vai mais para o processo formativo dos clube.
Para mim a maioria absoluta dos clubes não tem um processo
de formação para o clube, primeiro por não ter uma idéia definida de
jogo, segundo e em conseqüência disso não tem uma equipe sustentável, ou
auto-sustentável. Ou seja, a idéia da base é abastecer a equipe
profissional, periodicamente com novos jogadores, dando suporte a venda
de jogadores que se valorizaram. Porem para isso, é necessário haver uma
espécie de "linha de montagem" que embora remeta ao mecânico, não é. É
preciso ter um(s) certo critério para a base, permitindo que ao longo
dos anos o jogador seja formado para a equipe principal.
Para isso são necessários profissionais que tenham
coerência com o processo, e não com as suas idéias pessoais, que
normalmente levam sempre aos títulos e resultados. Na base isso não é o
mais importante e não pode ser, pois estes valores irão hierarquizar o
processo de uma forma errada. Errada no sentido de que os valores são o
pano de fundo do processo, se os títulos são o principal, a tendência é
escolher por exemplo no sub-13 jogadores com maturação de sub-15, que
pelas suas características orgânicas quase adultas, acabam suprimindo os
jogadores do padrão normal da idade, que muitas vezes em termos de
futebol tem muito mais talento, porém não tem o suporte físico para
conseguir exercer isso de forma continua no jogo, e acabam muitas vezes
sendo lesados por esse imediatismo da formação.
Um clube sustentável para mim precisa da seguinte equação:
Investimentos na formação e estrutura + Boa rede de
captação com critério + Definição de conceitos de jogo para a equipe
profissional baseado no clube, contexto, história, cultura +
Conhecimento e capacidade administrativa + Comissões coerentes e
identificadas ao processo que se quer = Sustentabilidade do elenco
profissional = sucesso esportivo contínuo.
E
fora isso, existem muitos jovens que sonham um dia ser treinadores os
jogadores e pisar os relvados dos maiores clubes. Mesmo sem chegar a um
nível elevado mas construir uma carreira equilibrada, para se atingir
esse objetivo, existem caminhos a percorrer e obstáculos para
ultrapassar. Esse caminho é difícil?
É muito difícil, e quanto maior o nível mais difícil é e
exige mais do que o professor Jorge Maciel, citando o professor Vitor
Frade chama de Divina Proporção, que é a questão do talento do treinador
para gerir o processo. Porém para alguns essa dificuldade é exatamente o
estímulo que faz crescer. Tudo é questão da Resiliência pessoal de cada
um, alguns querem ser o treinador da seleção brasileira, outros não,
acho que as pessoas devem ser felizes no que fazem, não existe só o TOP,
para o TOP existir são necessários outros vários sistemas não menos
importantes, e todos tem lugar no futebol, porém este lugar será de
acordo (ou não) com sua competência, porém essa competência não deve ser
estática, tem que ser uma competência com constante evolução pessoal.
Participa
também em inúmeras palestras. Considera esse método fundamental, não só
para aprender mais sobre o futebol, mas também para conhecer mais
pessoas ligadas a este desporto, como treinadores, jogadores, técnicos e
afins?
Considero. Para quem apresenta e para quem assiste. Essas
apresentações servem como disseminação de novas idéias, novas
informações que se bem plantadas, irão germinar e gerar outras novas
disseminações, e esse processo é muito bom. Porém é preciso ter cuidado
quando se repassa informações e conhecimentos para que estes sejam
interpretados de uma forma mais acertada pelas pessoa, e isso é fruto
dos estudos e experiências pessoais do apresentador.
A rede de contatos também é fundamental, é preciso que as
pessoas saibam que você sabe algo, ou que sabe fazer algo, se não, não
tem como crescer, sozinho ninguém cresce, é preciso ter oportunidade,
porém também é preciso criar estas oportunidades, e isso se faz com
conversas, apresentações, estágios, idéias, trabalhos, iniciativa.
É fundamental ter conhecimento, informação para poder cada
vez mais escolher com um critério mais acertado as opções que aparecem
no dia à dia, isso faz a diferença, saber o que se esta fazendo, é fatal
quando não se sabe o que esta fazendo.
E para os jovens, gostava de deixar alguma mensagem?
Gostaria de citar duas frases, uma do Manuel Sergio que diz:
"Quem só teoriza não sabe, quem só pratica repete, o saber nasce da conjugação da teoria e da prática"
Para mim isso diz muito sobre a constante transcendência
do ser humano, como brinca um amigo meu em uma analogia, nos somos, (em
termos mentais) como os tubarões, se pararmos nós morremos. Então é
fundamental estar estudando, refletindo, buscando conhecimentos mais
abrangentes, e não cair na tendência da especialização, que tende a
separar as coisas em assuntos cada vez menores até o momento que se sabe
tudo sobre nada.
A outra frase é do Soriano em um livro sobre a gestão do FC Barcelona:
"A bola não entra por acaso"
Essa frase diz muito sobre a construção do sucesso,
independente do nível, o sucesso emerge de alguma coisa, e a bola entra
para alguns e não para outros por causa disso.
Se eventualmente quiser acrescentar alguma questão que gostava imenso de responder, esteja à vontade
Quero
apenas agradecer a oportunidade, e dizer que foi um grande prazer e
espero poder ter contribuído com alguma coisa a quem ler.
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Amigo Luís, mais uma vez obrigado pela sua disponibilidade. A sua entrevista é um grande contributo para treinadores e jovens que sonham e lutam por atingir um dia os seus objetivos. Sem dúvida alguma, esta entrevista é tambem uma grande referência, mesmo para os mais experientes e conhecedores.
Um grande abraço ao entrevistado e um abraço ainda maior aos nossos leitores.
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